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Entrevista com Francisco Cleiton Vieira sobre o prêmio CAPES de teses para AGECOM - UFRN

Para além da transição

 

Jefferson Tafarel – Agecom/UFRN

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) concedeu cinco prêmios de melhor tese a programas de pós-graduação da UFRN, em publicação divulgada no dia 2 de setembro. Entre os agraciados que constam na lista está o pesquisador Francisco Cleiton Vieira, que pertence ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS), do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), e atualmente é professor da Faculdade Ciências da Saúde no Trairi (Facisa/UFRN). 

A tese de Cleiton, A segurança biológica na transição de gênero: uma etnografia das políticas da vida no campo social da saúde trans, contou com orientação da pesquisadora em antropologia do corpo e da saúde, Rozeli Maria Porto, e teve como objetivo elaborar uma etnografia — estudo imersivo da cultura e comportamento de um grupo social — a respeito da saúde de pessoas trans, no momento em que realizam a transição de gênero.

A partir disso, o foco da pesquisa mirou no cotidiano de homens trans e de outras pessoas que se identificavam como transmasculinos, na cidade de Fortaleza/CE, buscando avaliar como se deu o processo de transição biológica e qual o nível de segurança desse procedimento.

Inserindo conhecimentos da biopolítica, o estudo sustentou-se numa abordagem social e cultural em relação à supervisão biomédica da transição de gênero, observando também a compreensão cultural acerca da intervenção médica. Como métodos, o pesquisador da Facisa recorreu à análise de documentos, a entrevistas de longa duração, ao estudo de acervos historiográficos e à literatura médica, psiquiátrica e psicológica especializada. 

“Ainda há uma burocracia que tem atuado de forma patologizante, ao invés de tratar o processo de transição em termos de consentimento de quem o realiza”.

As análises do cenário que serviu de cerne para a pesquisa mostraram que o ativismo biossocial é importante para gerar uma nova abordagem médica e políticas de saúde mais coerentes com a população trans. Para isso, a pesquisa considerou ainda questões como as práticas corporais, a subjetivação desse grupo social, os movimentos por direitos em saúde, as trajetórias biográficas envolvidas com a saúde trans, itinerários terapêuticos, adoecimentos, entre outros temas relevantes. 

A intenção de Cleiton Vieira ao pesquisar sobre essa temática era de trazer à tona outros âmbitos da experiência de vida trans. “Embora a transição seja também um fenômeno que se vive no corpo de alguma maneira, sendo a sua forma bem diversa quanto ao alcance que cada pessoa possa desejar atingir, devemos olhar para a experiência social da mudança de gênero e como os fatores geralmente tidos como biológicos — seja a nível molecular ou fisiológico — são interpretados e manejados no dia a dia a partir das condições sociais de cada um que vive a transição”, define o autor do estudo.

O Sistema Único de Saúde (SUS) facilita o alcance a diversos procedimentos médicos, o processo transexualizador, analisado por Cleiton, é um deles. Todavia, “nem todos os estados do país contam com uma estrutura ambulatorial nesse sentido [transição], o que traz bastantes transtornos para aqueles que buscam acessar procedimentos médicos e cirúrgicos”, chama atenção o pesquisador. 

Dificuldades na vida trans

Para recorrer ao procedimento de transição é necessário comprovar que a pessoa de fato é transexual. “Embora isso esteja sendo tensionado entre profissionais da saúde e do direito, por exemplo, ainda há uma burocracia que tem atuado de forma patologizante, ao invés de tratar o processo de transição em termos de consentimento de quem o realiza”. Ou seja, a população trans tende a ser vista como doente. 

“No caso dos homens trans, mais especificamente, a visão estigmatizada que já vivem as mulheres também recai sobre eles quando são acusados de não serem ‘homens de verdade’”.

“A grosso modo, culturalmente falando, há um forte estigma que perpassa a visão coletiva sobre pessoas que ‘transicionam’ de gênero. Há vários estereótipos sobre ser homem e ser mulher na sociedade brasileira, e isso corresponde a formas corporais esperadas e visíveis na interação social”, atenta Cleiton. 

Além desses enfrentamentos, questões econômicas também pesam significativamente para discutir a situação de mulheres e homens trans e travestis. “Os procedimentos corporais de várias ordens, sejam troca de vestuário, cirúrgicos, ou aqueles mais superficiais, além dos institucionais como a mudança de documentos, todos implicam recursos financeiros e levam tempo. Isso, num contexto de pobreza e, muitas vezes, de miséria, chocam-se com outros problemas, como o desemprego e a fome”, observa. 

“No caso dos homens trans, mais especificamente, a visão estigmatizada que já vivem as mulheres também recai sobre eles quando são acusados de não serem ‘homens de verdade’, uma vez que haja algum espaço de dúvida se são homens ou mulheres”, afirma o pesquisador. Como consequência, adverte Cleiton, esse fenômeno facilita a violência contra pessoas que não se encaixam em conformações de gênero. 

Além do peso da discriminação, questões trabalhistas também se somam ao problema investigado pelo professor da Facisa. “É preciso pensar institucionalmente quanto à estrutura local do sistema de saúde, que nem sempre conta com um número significativo de profissionais que podem trabalhar sobrecarregados no sentido do trabalho diário”.

 

 

https://ufrn.br/imprensa/reportagens-e-saberes/51254/para-alem-da-transicao

Notícia cadastrada em: 21/09/2021 15:18
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