ARENA DISCURSIVA DO OMEGAVERSE: CORO DE VOZES NA CONSTRUÇÃO DE UM UNIVERSO FICCIONAL EM COMUNIDADES DE FANFIC
Dialogismo; Arena discursiva; Cultura de fãs; Fanfictions; Omegaverse.
Esta pesquisa doutoral se debruça sobre as comunidades online de fanfics, seu modo
de funcionamento e produtos, nas suas relações com as práticas culturais de fãs e com
a cibercultura, que conformam em grande medida os modos pelos quais criamos,
armazenamos e disseminamos conhecimento, cultura e memória na atualidade. Aqui,
avanço em explorar essa cultura a partir de um ponto de vista macroscópico, por meio
da observação de um fenômeno interno às comunidades de fanfic, controverso e
certamente curioso: o Omegaverse. Omegaverse é um universo ficcional ou tropo
ficcional surgido dentro das comunidades de fanfic, criado, utilizado, expandido e
disputado por fãs de diversos fandoms midiáticos nas últimas décadas. Sua archaica se
confunde com o próprio surgimento do fandom de mídia, no slash de Star Trek, e se
ramifica em uma fusão de diversas referências e experimentações, a partir da sua
estabilização e complexificação em fandoms mais recentes. Esse tropo tornou-se centro
de diversas discussões e polêmicas, não apenas dentro do próprio movimento de fãs,
em torno de disputas das representações de corpo, gênero e sexualidade, mas também
nas páginas do New York Times, numa disputa judicial por direito autoral, explodindo a
bolha do universo de fã e ganhando espaço de discussão na grande mídia. O objetivo
do presente trabalho é compreender o Omegaverse como um produto dialógico das
comunidades de fanfic e observar o coro de vozes e a arena discursiva que constitui a
produção crítica em fandoms, dentro da lógica participativa, tanto no ambiente virtual
quanto no ambiente acadêmico, para onde os aca fans levam, muitas vezes, essas
discussões. Parto do aporte teórico-metodológico do Círculo de Bakhtin, amparado
ainda pelos estudos sobre cultura de fã e fanfic, e empreendo a investigação por meio
do cotejamento de textos e do método indiciário. Utilizo como corpus de análise dois
artigos em formato wiki, especificamente os do Wikipedia (2022) e do Fanlore (2022),
que descrevem o universo, além da produção acadêmica de fãs hoje publicada em
torno do tropo e suas questões, referenciadas nos respectivos artigos. Os resultados
apontam para a expressão do Omegaverse em suas relações com uma archaica
principalmente caracterizada pela ficção científica da década de 70 e 80, notavelmente
debruçada sobre questões de corpo, gênero e sexualidade testadas em seu limite
imaginativo; seu papel na produção de sentidos ambivalentes dentro do movimento de
fãs, ora refratando e em disputa aberta com sentidos sexistas que atravessam nossa
sociedade, ora reproduzindo-os: o que não passa despercebido pela comunidade de
fãs, em especial parte significativa dessa comunidade composta por mulheres
feministas dispostas a disputar tais sentidos.