PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES: VIOLÊNCIA E SILÊNCIO NO ROMANCE DE BEATRIZ BRACHER
Silêncio; Violência; Não Falei; Beatriz Bracher.
A partir de uma abordagem que investiga a criação literária em concomitância com a representação da vida social, conforme a crítica integrativa de Antonio Candido (2014, 2017), esta pesquisa teve como objeto de estudo o romance contemporâneo Não falei, da escritora brasileira Beatriz Bracher. A obra lida com a narração memorialística de um narrador-protagonista que foi torturado durante a ditadura civil-militar brasileira e acusado de ter delatado o cunhado, militante político assassinado pelo regime autoritário. Esses acontecimentos resultam em um silêncio de anos, no qual o sujeito ficcional se recusa a endereçar a acusação. Frente a essa configuração romanesca, o objetivo desta pesquisa foi analisar, no texto literário, as intercorrências entre violência e silêncio. Estudamos a primeira temática segundo as contribuições de Jaime Ginzburg (2012, 2017), Márcio Seligmann-Silva (2000) e Sigmund Freud (1989, 2012), no que tange à estética da violência, à representação da catástrofe e ao trauma decorrente da tortura; a segunda, conforme o entendimento de Roland Barthes (2003) do silêncio como signo, de Eni Orlandi (2007), quanto ao silenciamento como interdição do sentido, e de Lourival Holanda (1992), no que diz respeito à não-verbalização como manifestação que pode permitir entrever opressões sociais. Ao longo do estudo, foram destacados o aspecto fragmentário da representação da tortura, a equivalência entre o silêncio do torturado e a resistência, o impacto da violência na visão de mundo do narrador e o silêncio como uma condição cultivada ao longo da obra, seja no âmbito familiar, perante os conhecidos ou durante a ditadura civil-militar. Percebe-se, então, que a postura linguística reticente e reservada do protagonista em se defender da acusação advém de uma desconfiança com a linguagem e com os homens, cujas raízes estão na sala de interrogatório em que a violência foi exercida. Além disso, notou-se como a representação literária cria uma narração incompleta e polissêmica, na esteira dos traumas que atingiram o narrador durante a tortura, das perdas sofridas por ele e da necessidade pelo silêncio como resguardo de si mesmo. O estudo dessas questões indica a relevância da obra literária na adoção de uma perspectiva singular de um acontecimento histórico traumático, evidenciando, por meio da situação ficcional, aquilo que foi encoberto pelos discursos oficiais.