O rapper como autor: produção artística e luta de classe nas crônicas musicais de Eduardo Taddeo – uma análise materialista cultural
Rapper. Produção artística-cultural. Cultura e política. Vida cotidiana. Materialismo cultural. Sociologia da cultura.
Esta pesquisa analisa os álbuns-solo e mais recentes da discografia do rapper, escritor e ativista político, Carlos Eduardo Taddeo, ex-vocalista e letrista único do grupo de rap paulistano Facção Central. A fantástica fábrica de cadáveres (2014) e O necrotério dos vivos (2020), ambos CDs duplos, trazem composições que, em versos e rimas, evidenciam a articulação entre cultura, vida cotidiana e política expressa numa produção artística-cultural que é produto e prática de um tempo e contexto específicos. Em Cultura e Sociedade (p.145), Raymond Williams define cultura como “um todo social, um instrumento de descoberta, interpretação e luta social. É de acordo com o crítico marxista galês que estudamos os raps do Eduardo como uma produção artística-cultural inspirada na vida social, em experiências dramáticas que resultam das filtragens da realidade pelas representações e reelaborações do rapper. A autoridade de fala do rapper-cronista vem da dimensão vivido, seus raps são representações pensadas, produzidas e manuseadas na intenção de comunicar uma realidade (construída) compartilhada. A dimensão concreta das experiências trazidas nas crônicas musicais analisadas não as tornam verdade incontestável, mas constituem indícios importantes de um processo social em permanente construção. Mesmo a partir de uma linguagem mundializada, traço da cultura hip hop, o discurso do Eduardo se sustenta em alicerces locais, com destaque para vivências urbanas cotidianas, claro, a partir de um processo que tanto lê o real quanto o recria. As músicas que analisamos transitam por experiências de criminalidade e mortes, violências e conflitos, injustiças e miserabilidade de todos os tipos, o que as tornam nada palatáveis e de difícil fruição. Assimilar esses conteúdos significa mergulhar nas contradições e desigualdades que assolam a sociedade brasileira. O necrotério dos vivos (2020) e a fantástica fábrica de cadáveres (2014) são expressões de uma pesada experiência coletiva social, sob a ótica de pessoas integradas de forma perversa à sociedade. Nestes o rapper transforma elementos da realidade cotidiana em música e produz um discurso público que circula e se insere nas problemáticas da política e cultura. Suas crônicas musicais expressam uma compreensão dos aspectos estruturais da reprodução da sociedade capitalista, de modo que no repertório de suas composições não há elementos que remetam a conformação com o modus operandi do capital. Suas narrativas trazem reiteradamente um vocabulário de denúncias, de revanche de classe e revolução. O alicerce teórico-metodológico de nossa análise é a perspectiva dos Estudos Culturais, mais especificamente, o materialismo cultural de Raymond Williams (1979; 2011), pois a análise de nosso objeto parte da compreensão da relação dialética entre obra artística e situação histórica – a arte enquanto fenômeno superestrutural, não é mero reflexo passivo, pois reage constantemente a base econômica e a influencia; não reproduz a realidade, mas se relaciona de maneira ativa e complexa com ela. Assim, todo processo humano e, especificamente, a produção cultural, é também social e material (WILLIAMS, 1979, p. 140), o que supera a proposição mecanicista de uma infraestrutura determinante e de uma superestrutura determinada e nos possibilita entender a totalidade do processo abordado. Mobilizamos o conceito de estrutura de sentimentos para análise dos raps de Taddeo por compreendê-los como resultado da formação de uma consciência social prática, fruto de experiências vividas ativamente em relações sociais reais. Esse conceito permite, através da análise cultural, apreender os significados e valores tal como são vividos e sentidos ativamente, bem como as relações destes com as crenças e instituições formais. A fantástica fábrica de cadáveres (2014) e O necrotério dos vivos (2020) são produções cujo cerne nunca são experiências pessoais isoladas ou características superficiais da sociedade; são, ao contrário e em seu conteúdo autêntico, experiências sociais concretas.